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21 julho 2011

Lembro-me bem daquelas noites...


Durante muitos anos vivi num casarão no Grajaú. Era lindo! Tinha vários pés de frutas (caju, manga, goiaba, abacate, limão, amora...), um bom quintal pra brincar, um quarto pra cada irmão, porão, sótão, casinha na árvore e casinha lá de cima... mas tinha um porém: ficava na subida de uma favela. Com o passar dos anos a violência do Rio de Janeiro foi aumentando e os tiroteios viraram uma rotina. No início eram pelas noites, com o passar dos anos já era sem hora pra acontecer. Por ter vivido tão de pertinho essa realidade, o trabalho em cima do texto da Sônia Barros está fluindo tão natural. Foi só revisitar minhas lembranças das noites no Grajaú.
Lembro de uma vez, eu já era grande, lá pelos 20 anos. Estava só em casa e começou um tiroteio daqueles que a gente escuta até as balas ricochetearem nas paredes vizinhas. Liguei pro meu pai e ele disse: "Minha filha, não há nada o que fazer. Se acalma. Deita no chão da sala e dorme aí. Amanhã nos falamos."
Apesar do meu medo e da minha revolta ele tinha razão, não havia nada o que fazer. Tempos depois ele alugou um apê e me levou com ele pra viver no Flamengo. E agora então, vivendo em Barcelona o Grajaú virou lembrança, literalmente distante. Uma mescla de boas recordações (como o pão de queijo da Verdum, o Seu Paulinho da papelaria da Borda do Mato ou o peixeiro que nunca soube o nome que me dava sardinhas pra levar pra Lua, a gata lá de casa) com lembranças não tão felizes como as noites de Benedito, de ver os traçantes pela janela e ter de dormir no chão.

Mas será o Benedito?